Leituras teológicas do Groucho
O BOLO E O MENINO JESUS
Um bolo estava na montra da pastelaria, todo coberto de açúcar. O menino Jesus ia a passar pela mão de S. José e aquele bolo pensou:
- Queria que este menino me comesse. Ele é Deus, queria que ele me comesse com a boca dele. Ia para o estômago dele, depois para os intestinos dele; depois ele fazia a digestão, e eu ia para o sangue dele, ficava para sempre dentro do sangue dele. Transformava-me no sangue do menino Jesus e andava dum lado para o outro dentro do corpo dele. Com um bocadinho de sorte, talvez até aparecesse na chaga do lado.
Aquele bolo pensou estas coisas, como era bom o menino Jesus comê-lo, e ficou triste. Depois é que pensou que os bolos não ficam tristes e deixou de estar triste. E depois também pensou que os bolos – mesmo os cobertos de açúcar – não pensam, e não pensou mais no assunto.
Entretanto, o menino Jesus disse para S. José:
- Pai, dá-me aquele bolo todo coberto de açúcar para eu comer.
Mas S. José disse:
- Não, porque tu és Deus e a gula é um pecado muito feio.
O menino Jesus ficou muito assustado e esqueceu-se logo daquele bolo. Foi para casa todo o caminho a pensar nos 7 pecados mortais e, à noite, não era capaz de dormir cheio de medo.
Manuel António Pina, O País das Pessoas de Pernas para o Ar, 1973
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