25 julho 2005

Iminências e Eminências (II)

- Então Soares deixou de estar iminente?
- Eu peço desculpa, mas quem deixou de estar iminente foi Manuel Alegre.
- O meu amigo não há maneira de entender a semântica desta questão! É certo que Alegre perdeu, suponho que definitivamente, o estatuto de iminente. Mas Soares idem, por maioria de razões.
- Isto já é do território da logomaquia, desculpe.
- Não vejo porquê. Basta ler o comunicado de Soares – e a própria existência do dito – para perceber que a candidatura já não está iminente: é facto, assinado por baixo por Soares, em papel timbrado da sua Fundação.
- Ah bom, percebo. Então já mais ninguém está iminente, suponho?
- Erro. Soares liquidou a iminência de Alegre (que, desconfio, nunca mais lhe escreverá uma ode…) e autoliquidou a sua. Pelo que resta apenas a de Cavaco Silva.
- Humm... Mas, com franqueza, será que se pode falar da iminência de uma candidatura em banho-Maria há uns dois anos?
- Uma vez que o banho-Maria foi substituído pelo banho-Soares, que remédio tem agora Cavaco senão passar rapidamente a iminente. Porque cada dia em que Soares ocupa o palco sozinho, e Cavaco se nega à iminência, são uns votinhos mais que voam para dentro das bochechas do glutão-Soares.
- Tou a ver. Por outro lado, não acha que está iminente uma ruptura entre os dois grandes símbolos do PS: o ícone da democracia e da luta anticomunista versus o bardo da liberdade?
- É capaz, é capaz…
- Mas há-de convir que é triste, após um percurso comum de décadas.
- Permita-me que discorde. Não é triste, é política, fenómeno que ganha em ser apreciado em sentido rigorosamente extra-moral.
- Ou seja?
- Voltamos ao princípio desta conversa, e ao eterno retorno da eminência e da iminência. Há políticos cuja eminência provém de estarem sempre iminentes; e há depois outros políticos cuja eminência ganha em resguardar-se da iminência.
- Quer então dizer que Alegre devia contentar-se em ser o poeta-político que todos respeitam, ou por causa dos versos ou por causa do simbolismo?
- Nem mais. A melhor maneira de a eminência dele começar a ser posta em causa é entregar-se ao rancor por causa da sua perda de iminência.
- Não está a propor que, para fins de reconciliação, ele escreva uma ode ao «Soares-candidato-apesar-dos-80-anos-contra-ventos-e-marés», pois não?
- Nem tanto, meu caro. Bastará que escreva um novo romance à clef, nimbado de nostalgia evocativa, com o título, por exemplo, de Ilusões Perdidas. Estou certo que, lá do empírio onde repousa, Balzac perdoará o furto. Assim como estou certo de que, tal como sucedeu com o anterior, Soares aceitará falar do livro aquando do seu lançamento.
- Seria um acontecimento político-literário!
- Ou literário-político. Em todo o caso, um evento eminente.
- Não sei porquê mas desconfio um tanto da sua iminência...