Espectros (II)
― O Groucho desde que foi à televisão anda muito sentencioso, não anda? Acha-se uma grande coisa só porque o Viegas o entrevistou.
― (soto voce) Ai o que faz a inveja, o que faz a inveja…
― (irritado) Não se arme em José Gil! E desista, se pensa que eu perco tempo a explicar-lhe o que está fora do seu alcance.
― Pronto, pronto… Longe de mim estragar-lhe os seus entusiasmos noruegueses.
― Pois olhe que essa hipálage é bem certeira: seguramente não será o bacalhau, nem o petróleo, nem o salmão de aviário que há-de fazer pela Noruega o que fez o autor dos Espectros. Ou também…
― Ai o Sr. Rubim estava a ler os Espectros?
― A reler, Groucho, a reler! É uma criação genial, e olhe que eu não simpatizo nada com este adjectivo: é demasiado alemão para o meu gosto.
― O adjectivo ainda passa, agora o substantivo… Criação? Mas o que o Ibsen fez nos Espectros foi reescrever o Hamlet, toda a gente sabe.
― Diga antes: toda a gente ignora. Ninguém além do Ibsen tirava das profundezas do Hamlet o drama, quero eu dizer, a tragédia da maternidade, só ele era capaz de ver que o centro de tudo não estava no fantasma do pai nem na fantasia do filho, mas na mãe como guardiã involuntária de todos os espectros que assombram a casa familiar. E isto, toda a gente sabe?
― Bem…
― Pode ter a certeza, Groucho, que nunca, antes nem depois, se escreveu obra onde tão violentamente se reduzisse a cacos o famigerado Quarto Mandamento. Aliás…acho sintomático que nunca se tenha ouvido por aqui o Groucho a falar da relação que mantém com a senhora sua mãe… Quer aproveitar o ensejo?
― (depois de uma pausa relativamente longa) Está na hora de servir o chá.
― (seco) Para mim é de limão.
― (soto voce) Ai o que faz a inveja, o que faz a inveja…
― (irritado) Não se arme em José Gil! E desista, se pensa que eu perco tempo a explicar-lhe o que está fora do seu alcance.
― Pronto, pronto… Longe de mim estragar-lhe os seus entusiasmos noruegueses.
― Pois olhe que essa hipálage é bem certeira: seguramente não será o bacalhau, nem o petróleo, nem o salmão de aviário que há-de fazer pela Noruega o que fez o autor dos Espectros. Ou também…
― Ai o Sr. Rubim estava a ler os Espectros?
― A reler, Groucho, a reler! É uma criação genial, e olhe que eu não simpatizo nada com este adjectivo: é demasiado alemão para o meu gosto.
― O adjectivo ainda passa, agora o substantivo… Criação? Mas o que o Ibsen fez nos Espectros foi reescrever o Hamlet, toda a gente sabe.
― Diga antes: toda a gente ignora. Ninguém além do Ibsen tirava das profundezas do Hamlet o drama, quero eu dizer, a tragédia da maternidade, só ele era capaz de ver que o centro de tudo não estava no fantasma do pai nem na fantasia do filho, mas na mãe como guardiã involuntária de todos os espectros que assombram a casa familiar. E isto, toda a gente sabe?
― Bem…
― Pode ter a certeza, Groucho, que nunca, antes nem depois, se escreveu obra onde tão violentamente se reduzisse a cacos o famigerado Quarto Mandamento. Aliás…acho sintomático que nunca se tenha ouvido por aqui o Groucho a falar da relação que mantém com a senhora sua mãe… Quer aproveitar o ensejo?
― (depois de uma pausa relativamente longa) Está na hora de servir o chá.
― (seco) Para mim é de limão.
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