19 julho 2005

Espectros (I)

― O senhor já anda há uns dias a ler esse volume do Ibsen…
― Não era grande exagero se eu lhe dissesse que, podendo, passava a vida toda nisto.
― Já cá faltavam os seus radicalismos, Sr. Rubim.
― Dos seus simplismos é que eu não tinha saudades, Groucho. Também se desculpa com o Verão?
― De maneira nenhuma. Basta ler de vez em quando os jornais para sabermos que, hoje em dia, a silly season é como as árvores de folha perene ou como as neves eternas no pico de certas cadeias montanhosas. E eu vou com os tempos, que remédio…
― Vou dar-lhe uma razão para que leve a sério essa sua refalsada humildade.
― Ah sim?
― Sim. Vou dizer-lhe uma coisa que o senhor é incapaz de entender. Ora oiça: Shakespeare é o único dramaturgo no mundo inteiro que está à altura de Ibsen.
― Lamento informá-lo, mas o senhor inverteu os termos do argumento. O calor prega partidas… Depois de corrigir o erro, não só entendo perfeitamente como até estou em concordar consigo.
― Eu disse que você não ia perceber, Groucho! Não há erro nenhum a corrigir, a minha ideia é exactamente aquela que formulei: Shakespeare é o único à altura de Ibsen.
― Que a ideia seja sua parece-me indiscutível. Menos pacífico é que lhe venha daí algum benefício. Às vezes, desconfio que uma pessoa faz melhor figura com as ideias dos outros do que com as próprias. Supondo, claro, que existem ideias próprias…