Escrutínio
Sorrateiro, dir-se-ia caviloso.
— Muito me admiro, senhor, muito me admiro. O dia todo agarrado a esses dossiers… ninguém lhe ouviu um pio!
— Pois, Groucho, eu próprio me admiro. Estou a ver os curricula dos candidatos…
— Eu sei, senhor, eu sei. Fui eu que os distribui, que diabo! O que me admira é que isso o retenha assim.
— É que estes dossiers têm material impressionante. Há aqui gente de muito valor. Que fez muita coisa, apesar de relativamente nova, e gente que, à falta de curriculum em quantidade, apresenta textos, monografias, pequenas teses. Olhe este aqui, que acabei de ler, de Jacinto H. Silva, uma pequena dissertação sobre «os hábitos gramaticais dos portugueses»…
— Que raio é isso?
— Só lendo. Muito inteligente. E este texto, assinado T. P. Jorge Ferreira — deve ser pseudónimo —, veemente manifesto contra «a mania da correcção». E até li hoje um artigo sobre hidráulica urbana, acredita?
— Acredito em tudo, senhor. Quer dizer que em breve vamos ter a casa cheia de gente nova?
— Isso é outra coisa, Groucho. São todos brilhantes, para dizer quase tudo. Mas falta-lhes… falta-lhes tédio, aborrecimento, certo enfado…
— Casmurrice? É casmurrice que lhes falta?
— Não sei... Nem devia falar disto consigo. Mas note. Há uns que se apressam a expor explicadamente todas as ideias que lhes acontecem; ainda sendo muitas e curiosas, enfada, tanta exposição. Outros prometem mudanças, propõem medidas, regras, regulamentos, como se precisássemos de novos membros para organizar uma coisa inorganizável. Querem mudar o mundo antes de almoço. O mais numeroso é o grupo dos solenes: escrevem uma facécia ligeira, e logo correm a esclarecer que brincavam, e desdobram-se em comentários destinados apenas a persuadir-nos de que são gente séria. Uma seca, Groucho. Aterroriza-os... receiam que imaginemos que só sabem contar anedotas, e insistem em comprovar que têm ideias sobre o mundo e o país, a política e a educação, o sexo e a arte, o diabo! Uma seca…
— Já estou a ver que, por si, ninguém entra.
— Não disse isso, Groucho. Alguns são susceptíveis de aperfeiçoamento, e afinal trata-se de um estágio sem compromisso. Mas ainda não lhe disse tudo, nem posso… sabe? há umas quantas surpresas…
— Deveras? Conte, vá, conte.
— Não posso, Groucho. Tenho que ouvir os meus colegas, a decisão é colectiva.
— Hum…
— Muito me admiro, senhor, muito me admiro. O dia todo agarrado a esses dossiers… ninguém lhe ouviu um pio!
— Pois, Groucho, eu próprio me admiro. Estou a ver os curricula dos candidatos…
— Eu sei, senhor, eu sei. Fui eu que os distribui, que diabo! O que me admira é que isso o retenha assim.
— É que estes dossiers têm material impressionante. Há aqui gente de muito valor. Que fez muita coisa, apesar de relativamente nova, e gente que, à falta de curriculum em quantidade, apresenta textos, monografias, pequenas teses. Olhe este aqui, que acabei de ler, de Jacinto H. Silva, uma pequena dissertação sobre «os hábitos gramaticais dos portugueses»…
— Que raio é isso?
— Só lendo. Muito inteligente. E este texto, assinado T. P. Jorge Ferreira — deve ser pseudónimo —, veemente manifesto contra «a mania da correcção». E até li hoje um artigo sobre hidráulica urbana, acredita?
— Acredito em tudo, senhor. Quer dizer que em breve vamos ter a casa cheia de gente nova?
— Isso é outra coisa, Groucho. São todos brilhantes, para dizer quase tudo. Mas falta-lhes… falta-lhes tédio, aborrecimento, certo enfado…
— Casmurrice? É casmurrice que lhes falta?
— Não sei... Nem devia falar disto consigo. Mas note. Há uns que se apressam a expor explicadamente todas as ideias que lhes acontecem; ainda sendo muitas e curiosas, enfada, tanta exposição. Outros prometem mudanças, propõem medidas, regras, regulamentos, como se precisássemos de novos membros para organizar uma coisa inorganizável. Querem mudar o mundo antes de almoço. O mais numeroso é o grupo dos solenes: escrevem uma facécia ligeira, e logo correm a esclarecer que brincavam, e desdobram-se em comentários destinados apenas a persuadir-nos de que são gente séria. Uma seca, Groucho. Aterroriza-os... receiam que imaginemos que só sabem contar anedotas, e insistem em comprovar que têm ideias sobre o mundo e o país, a política e a educação, o sexo e a arte, o diabo! Uma seca…
— Já estou a ver que, por si, ninguém entra.
— Não disse isso, Groucho. Alguns são susceptíveis de aperfeiçoamento, e afinal trata-se de um estágio sem compromisso. Mas ainda não lhe disse tudo, nem posso… sabe? há umas quantas surpresas…
— Deveras? Conte, vá, conte.
— Não posso, Groucho. Tenho que ouvir os meus colegas, a decisão é colectiva.
— Hum…
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