05 julho 2005

Droláticos e pilheriáticos*

Ordinariamente, chamam-se, à francesa — espirituosos — uns sujeitos dotados de génio motejador, aplaudidos com a gargalhada, e aborrecidos àqueles mesmos que os aplaudem. São os caricaturistas da graciosidade.
O «espirituoso», à moderna, abrange os variados ofícios que, antes da nacionalização daquele estrangeirismo, pertenciam parcialmente aos seguintes personagens, uns de casa, outros importados:
Chocarreiro — trejeitador — arlequim — palhaço — proxinela — polichinelo — maninelo — truão —jogral — goliardo — histrião — farsista —farsola —vegete — bobo — pierrot — momo — bufão — folião, etc.
Esta riqueza de sinonímia denota que o bobo medieval bracejou na Península Ibérica vergônteas e enxertias em tanta cópia que foi preciso dar nome às espécies.
Ora, o «espirituoso» tem de todas. A antiga jogralidade, que era mister vil, acendrada nos secretos crisóis do progresso social, chegou a nós afidalgada, em «espírito» e com o foro maior de faculdade poderosa, cáustica, implacável
Ainda assim o estreme espírito português, por mais que o afiem e agucem, é sempre rombo e lerdo: não se emancipa da velha escola das farsas: é chalaça.

Camilo Castelo Branco, «Gracejos Que Matam», Novelas do Minho (1875)


De Antologia esquecida na mesa de cabeceira, fl. 1a.