Daniel Jonas
Será Daniel Jonas a maior revelação da poesia portuguesa na década que corre? Por mim, não vejo quem lhe possa retirar por agora esse título, pois Os fantasmas Inquilinos, acabado de editar na Cotovia, produz por si só uma poderosa deslocação de coordenadas na paisagem da poesia novíssima, até aqui dominada pela 3ª geração de neo-realistas pós-70: riqueza e surpreendente criatividade lexical, coisa que julgávamos ser já da ordem do pecado; imaginário de amplo espectro, do biológico infra (o amniótico, o sexual primordial, o animal, o vegetal, etc.) ao gótico, sem esquecer o mundano por vezes cruel ou desgostante, por vezes transcendido por uma simbologia «elementar»; poeta culto, contudo sem exibições à la Sena; poesia por vezes em estado de teoria sem deixar de o ser (poesia); etc.
Estou ainda a lê-lo (a ruminá-lo) com a lentidão exigível, mas, por agora, aqui fica uma sequência poemática, lamentando não poder transcrever um dos poemas mais longos, já que uma das coisas que este Jonas traz da baleia da poesia é a reabilitação convincente da forma extensa. Não se deixem impressionar por estes poemas longinquamente pessoanos, pois há coisas bem menos excessivas (e auto-paródicas?) no livro, que como ocorre nos livros notáveis é uma cornucópia para vários gostos. Eu, pecador me confesso, gosto muito destes.
Ó noite, vale umbroso, com teu xaile de corvos,
Com tuas mãos, cobre-me!
Vem sobre mim, ó noite mãe, enterra-me!
Sob teus alçapões medonhos de estéreis fundos,
Dá-me à tua negra luz,
Tecedora aracnídea, cigana,
Este homem tuas saias escondam,
Imitações, influências, lençóis sidéreos,
De lacre espesso as lágrimas:
A gruta nupcial!, a gruta nupcial!
*
Ó transparentes torpedos, ventos pendulares,
Lúcidos tormentos!
Lâmpadas, sílica, rompantes esgares!
Ó corredores sinuosos de aparições talares,
Fisiologia da estese,
Degelo espúmeo de vítreo gás!
Fantasias, imaginações,
Associações, imprudências, fugaz monólito
De irregressáveis dedos:
A gruta nupcial!, a gruta nupcial!
*
Ó lua, corno crescente, teu aço enterra
Neste lombo tenro!
Lúrida basílica, hóstia porosa!
Ó pênsil lua sobre ondas mate e profundas,
Companheira de ascese,
Degelo de sangue, hemoptísica!
Na pelúcia destes nervos, vem,
Fundeia essa âncora nesta romba quilha
De incontáveis tormentos:
A gruta nupcial!, a gruta nupcial!
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