Corporis fabrica (II)

Diferentes imaginações do Corpo, de um modo ou outro herdado como suplemento extirpável, sucessivamente violado de modo a organizar um Todo, i.e., uma inteligibilidade do Corpo. Waris Dirie mostra—nos, por exemplo, como o Corpo a ganhar é um Corpo que faz a revisão da Memória do Corpo: «Não há forma humana de explicar o que se sente. É como se alguém te seccionasse um músculo ou te amputasse um braço, exceptuando o facto de que essa é a parte mais sensível do teu corpo. Ouvi o som que produzia aquela lâmina enquanto se movia de um lado para outro cortando-me a pele. Quando me lembro, a verdade é que não posso acreditar que me estivesse a acontecer a mim. É como se estivesse a falar de algo que aconteceu a outra pessoa» [El País 06—05—2001]. O Corpo mutilado — i.e., figurável, por exemplo, como mortal coil — é o Corpo dado por uma arquivística do Corpo. A ablação do clítoris obedece a uma Lei, a uma economia que se perpetua na repetição da extirpação. É em nome da Lei que todas as atrocidades se cometem sobre um Corpo.
Imagem: Marina Abramovic, Cleaning the mirror, 2004.
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