27 julho 2005

A arte de ler sinais, 2

/…/ de modo que são estas as dificuldades dos sinais de cima para baixo. Outra vez a contribuição judaica, imprescindível. Grandes chuvas durante semanas consecutivas. A povoação de K*.*, na margem do rio, está ameaçada de inundação e é evacuada. Saem todos, excepto o rabino K..*., que se recusa invocando que Deus o protegerá como sempre fez. Mas o nível das águas sobe: o rabino tem que subir ao primeiro andar. Chega um barco pneumático, os bombeiros que querem levá-lo: manda-os embora, firme, com a mesma razão, Deus o protegerá, sempre teve fé, etc. O nível das águas continua a subir. Outro barco, agora da polícia, também em vão: o rabino fica, mas vê-se obrigado a trepar ao telhado. Enfim, a casa praticamente submersa, barco potente da polícia marítima: quase o ameaçam com armas, mas o rabino fica. Acaba por ser levado pelas águas, bem turbulentas, e morre afogado. Chegado ao céu, vai logo protestar junto do trono do Senhor: — Como pudeste fazer-me isto, a mim, de fé inabalável toda a vida, porque não me protegeste quando estava em perigo? E a voz irada (atenção! é aqui que entra a arte de ler sinais):
— Meu grande idiota! Mandei três barcos!

J. Katz Ferreira
Da «Proposta de candidatura ao Casmurro»