Uma raiz cor de laranja
Quando a campa foi descoberta para receber o caixão, reparei numa grossa raiz cor de laranja que irrompia pela cova. Essa raiz teve em mim um efeito estranhamente calmante. Por um breve momento, as palavras e os gestos da cerimónia não puderam ocultar a crua realidade da morte. Ali estava ela: sem mediação, sem adornos, impossível desviar os olhos. O meu pai estava a descer à terra, e, com o tempo, a pouco e pouco, o caixão desintegrar-se-ia e o seu corpo seria um dos alimentos daquela raiz que eu vira. Mais do que tudo o que fora dito ou feito naquele dia, isso fazia sentido para mim.
Paul Auster, Inventar a Solidão [com um obrigado à Ana Bela Almeida]
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