Susto mediático
— O senhor viu o que diz hoje o pobre Eduardo Prado Coelho sobre o boato de que tinha morrido?
— Vi, Groucho. Uma infelicidade. Imagino o susto...
— Vi, Groucho. Uma infelicidade. Imagino o susto...
— Susto?! como assim?! Ele sabia que estava vivo. E não é coisa nova. Sei de vários casos. Ainda há uns anos o poeta brasileiro Sebastião Uchoa Leite leu num jornal a notícia de que tiha morrido. Escreveu para lá, até com graça, dizendo que ainda não, que ainda não. Morreu entretanto, Deus lhe fale na alma. Não é o caso do seu cronista, que parece ter ido a tempo de evitar que a notícia se imprimisse.
— Sim, ele diz isso, que correu a telefonar, esclarecendo. Parece que conseguiu ser ele a imprimi-la, e comentada, uma espécie de edição critica da notícia da própria morte. Mas note, Groucho, que EPC, sempre fascinado com o mundo dos media, distingue a morte biológica da morte mediática. Que uma não tem que ver com a outra, e é bem certo. Donde, a morte mediática poder anteceder a morte biológica; donde a morte biológica não causar morte mediática (o caso de todos nós); donde a morte mediática não causar a morte biológica... nunca se admirou com a notícia da morte de alguém que supunha morto há muito?
— Muitas vezes, senhor.— A morte mediática sem morte biológica é a única que permite ao morto realizar o desejo de qualquer mortal: assistir ao curso das coisas provocado pela própria morte, comentar a própria morte, dizer o sentido dela, etc. No fundo, continuar vivo para saber o que diriam dele julgando-o morto. É um derradeiro prazer, Groucho, derradeiro, mas prazer.
— Eu diria prazer, mas derradeiro. Aliás, nem uma coisa nem outra, porque se bem entendo, a haver especificidade da morte mediática, é mais inexorável do que a biológica, e mais perversa: não se noticia que alguém morreu mediaticamente. Sobreviver à própria morte mediática não deve ser nada agradável: imagino que seja mais ou menos como assistir antecipadamente à outra morte, a biológica, inexorável e sem prazer, e sozinho...
— Ora aí tem. Aí tem o susto, meu caro.
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