22 junho 2005

Razão ou contingência?

- Sabe que isto anda mesmo a atormentar-me, senhor!
- Não exagere, Groucho.
- Como não? Eu é que não percebo a sua impassibilidade, tendo em conta tudo o que está em jogo nestas últimas 48 horas.
- Lá vamos nós outra vez…
- Mas é que temos mesmo! A situação parece-me antinómica, qualquer que seja o ângulo por que a tomemos: foi uma jornada épica ou burlesca? Vale como alegoria nacional, e em que sentido: da nossa capacidade de realização ou do nosso curto fôlego? Devemos contentar-nos por, ao menos por uma vez, termos feito os espanhóis morder o pó, ou não? Foi apenas uma circunstância feliz ou repleta de promessas? Enfim, o copo está meio cheio ou meio vazio? Francamente, não vejo como dialectizar estes pólos opostos. A não ser que recorramos à dialéctica negativa, com toda a potência do seu trabalho crítico.
- Ena, já vamos no triássico! E se nos limitássemos a ver no evento uma demonstração da força das contingências sobre o destino humano? Num dia está-se condenado a mais uma jornada de sofrimento, recompensada com a caridade de umas palmadas nas costas, no dia seguinte eis que a glória chega pela porta das traseiras.
- Não percebo como um espírito lúcido como o seu, senhor, pode beber dessa água chilra da filosofia contemporânea: contingências!! Tssch! Daqui a pouco está a citar os livros do ex-filósofo Carrilho… O que é real é racional, senhor. O meu problema é apenas o de produzir a categoria que permita mediar estes pólos opostos e, provavelmente, antinómicos. Ou melhor, antinómicos apenas por défice dialéctico, o mesmo é dizer, por miserável incapacidade minha. Perdesse eu menos tempo a servir os senhores e a trocar argumentos sofísticos, pudesse eu ler e verrumar, com mão diurna e nocturna, os grandes monumentos – A Fenomenologia do Espírito, a Dialéctica Negativa – e o problema não ganharia seguramente estas proporções tormentosas.
- Mas olhe que esses monumentos não foram escritos para resolver problemas, e sim para os deitar para o caixote do lixo. Não é a mesma coisa, como sabe.
- Não me venha com pós-modernices num momento destes, senhor, que ainda me arrisco, com os nervos, a inadvertidamente substituir-lhe o chá de bergamotas por uma vulgar tília.
- Perante essa ameaça, Groucho, calo-me já e dou o meu assentimento mudo à sua aflição, aliás patriótica.
- E porque não patriótica, de facto, se esteve em causa também a bandeira?
- Olhe, Groucho, se me permite uma última palavra (estou a precisar de ir à casinha…), agora que introduz a bandeira, devo dizer que a mim alegrou-me o facto de o evento em causa ter indirectamente trazido à mente de um vasto grupo de cidadãos uma outra bandeira – e não veja nisto quebra de patriotismo.
- A que bandeira se refere, senhor?
- À do FCP, claro. Ou já esqueceu que o Tiago Monteiro é dragão e até se senta, por vezes, na tribuna de honra do estádio?