20 junho 2005

O que fazem mulheres

Como quem não quer a coisa:
— O senhor tem uns minutos? Gostava de lhe ler uma coisa…
— Claro, leia, sempre me distrai disto um bocado.
— Então, com a sua licença: «Mulheres são os melhores juízes de mulheres.»
— Começa bem, carago.
— Por favor, senhor… «Disseram filósofos e moralistas, uns, grandes santos, como S. Paulo, e outros, grandes ateus, como Voltaire, que a mulher é um ser exuberante de sensibilidade, e apoucado de raciocínio. Daí o denegarem-lhe o acesso às ciências abstractas, às políticas, aos parlamentos, ao magistério, às regiões intelectivas do maquinismo social, e mandarem-nas cuidar dos filhos e fiar na roca. Se o absurdo vinga, se por alvitre grosseiro do mais forte, a mulher é um ente inepto para exercitar a razão, com que direito as julgamos e sentenciamos, segundo a razão, sendo as suas culpas demasias de sentimento? A injustiça é flagrante e odiosa.»
— Vê-se que é um homem que escreve, e não me é nada estranho…
— Não, não é. Mas o melhor está para vir. Escute: «A mulher foi escrava do braço, antes de o ser da superioridade moral. Quando o homem chamou a ciência a dar um testemunho falso da sua primazia, a mulher, quebrantada pela escravidão do braço, não pôde remir-se com as forças do espírito. Ainda assim, o tirano, receoso da emancipação, fez em redor da escrava as trevas da ignorância, para que a razão da mulher não pudesse conceber da luz o germe que a reabilitasse. Esta maquinação arteira sobreviveu a todas as borrascas sociais. Os fautores, e ainda os mártires da igualdade perante Deus e perante a lei, nunca proferiram uma palavra, nem verteram gota de sangue para o resgate moral da mulher. O Filho de Maria disse que a mulher era igual ao homem, e levou para o céu o segredo da sua emancipação.»
— Impressionante. Mas, alto lá! isso é uma página do Camilo… só pode ser!
—Precisamente, senhor, do romance O Que Fazem Mulheres, de 1858. Lembro-lhe agora como termina esta digressão: «Não sei se rasgue estas cinco páginas do manuscrito. Se alguém me assegura que entre vinte mil leitoras (orça por isto o número das senhoras que compram livros em Portugal) se me asseguram que entre as vinte mil há duas que me entenderam a parlenda, e me ficam desejando muita saúde e graça para servir a Deus, não rasgo as páginas, embora os homens me mandem, em portuguesíssima frase, bugiar.» Significa isto que ele escrevia para duas leitoras?
— Não, Groucho, significa que escrevia para a leitora por vir. Mas não teve grande sorte, coitado.