Leituras do Groucho nas termas
Pessoalmente não tenho nada contra os cemitérios, até gosto de lá ir arejar, se calhar mais do que a outros sítios, quando arejar é preciso. O cheiro dos cadáveres, que distingo nitidamente por baixo do da erva e do húmus, não me é desagradável, talvez um pouco adocicado de mais, um pouco inebriante, mas mil vezes preferível ao dos vivos, dos seus pés, dentes, sovacos, cus, prepúcios peganhentos e óvulos frustrados. E, quando os restos do meu pai colaboram, ainda que modestamente, quase que me vêm as lágrimas aos olhos. Bem podem lavar-se, os vivos, bem podem perfumar-se! Cheiram mal. Sim, como sítio para passear, quando passear é preciso, deixem-me a mim os cemitérios e fiquem – vocês – com os vossos jardins públicos e paisagens campestres. A minha sanduíche, a minha banana, sabem-me melhor sentado numa campa, e quando chega a altura de mijar, e chega várias vezes, tenho por onde escolher. Ou então vagueio, de mãos atrás das costas, por entre as lápides, deitadas, inclinadas ou direitas, a colher inscrições. Nunca me desiludiram, as inscrições, há sempre três ou quatro tão engraçadas que tenho de me agarrar à cruz, ou à estela, ou ao anjo, para não cair.
Samuel Beckett, Primeiro Amor, trad. de Francisco Frazão
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