19 junho 2005

Laços de família, 2

Desta vez, lépido:
— Ainda bem que chega, senhor. Estou curioso de saber a sua reacção à imprensa séria do fim-de-semana.
— Não li nada, Groucho.
— Não sabe então que continua a comoção com o tal vídeo do candidato Carrilho…
— Ainda falam do assunto?
— Ainda, senhor. O candidato ripostou, insistiu o aliado, ripostaram os adversos, e por aí fora. O interesse da coisa, senhor, é o ponto comum: todos falam da «família», de aparecer ou não com a «família», não distinguindo a mulher e outros adultos da criança pequena. Ocorreu-me a sua frase há dias: «vai ali o miúdo equiparado à mãe...» Acho, se me permite, que vai é dissolvido na família. Discutem se o candidato deve ou pode expor a família na luta política, como se esta fosse um grupo homogéneo por inteiro dependente da decisão dele e apenas dele. O homem é o chefe, com o poder antecipado de pôr a «família» em público: e discutem apenas se devia ou não ter usado esse poder. Nenhuma salvaguarda da especificidade das crianças pequenas…
— Claro, todos acham que as crianças pequenas são património da família… presume-se que, por condição, devem fazer o que lhes mandam.
— Mas assim a celeuma esvazia-se, senhor: se se reconhece ao candidato o direito de usar os filhos como extensões da sua pessoa, por que diabo se lhe nega o direito de usar o apoio da própria mulher estando ela disposta a dá-lo? Não entendo.
— Entenderia, Groucho, se não passasse aqui os dias embiocado, se fosse a jardins, se não fosse solteiro e vegano, se entendesse alguma coisa de política e, sobretudo, se alguma vez tivesse sido candidato a alguma coisa.