12 junho 2005

Humor público

— Já agora, notou decerto que o Expresso inclui uma nova secção… de humor, dizem eles…
Groucho aproximou-se, subtil como sempre.
— ...mais uma consequência lamentável dessa descoberta recente de que o humor tem público.
— Lamentável?! para os seus padrões talvez…
— Peço perdão, não queria ser impertinente, presumi de conversas anteriores que o senhor aceita a diferença entre o humor que se faz com ideias e o humor que se faz com piadas.
— Ora, Groucho, há lá humor sem piadas. Você mesmo tem muita piada — aliás não passa duma piada… Ou preferia ser uma ideia?
— Obrigado, senhor, honra-me com o chiste. Quando disse lamentável, queria qualificar o humor que depende do reconhecimento fácil: duma figura pública, dum hábito corrente, dum acontecimento… é humor que se alimenta quase todo do objecto e quase nada da construção, da surpresa, do engenho…
— Por isso mesmo é público, homem, porque se faz para o reconhecimento fácil e imediato, e o público, largo público, percebe logo tanto o objecto como a finalidade do humor. O paradigma é a caricatura, de que essas páginas do Expresso não se distinguem, tal a abundância de fotografias. Mas além desse processo de reconhecimento, que não é inerente ao humor, mas apenas decisivo para aquele que procura homogeneizar um «nós» em oposição a «eles» (os políticos, os pretos, os alentejanos, os gays, os jogadores de futebol, os críticos literários…), você não acredita que algum deste humor chegue a ser inventivo, ou criativo, ou mesmo inteligente...?
— Confio que o senhor não deixará de mo comprovar quando acaso der com algum exemplo de tal espécie.
— Você é um impertinente, Groucho. Não quer ir ver se a sua avó está a arder?
— Com certeza, senhor. Ao dispor.