A fábula*
Era uma vez três irmãos muito pobres que viviam numa floresta qualquer. O pai, um certo Quim Tliano, tinha uns fumos de erudição, pelo que lhes deu nomes esquisitos: Ornatus, Dispositio, Elocutio. Ornatus era extremamente vaidoso, não saía de frente do espelho, e todas as manhãs adornava a cabeça com flores muito variadas. Dispositio estava sempre disposto a qualquer coisa, mas invariavelmente se estendia ao comprido. Elocutio, o mais insuportável dos três, não parava de falar, porém só dizia lugares-comuns. Um dia, nasceu-lhes outro irmão, Inventio. Foi então que, um tanto fartos das prelecções com que o pai lhes secava a paciência (julga-se que para eles ambicionava brilhante futuro na carreira das letras), resolveram sair para o mundo, indo cada um construir a sua casa. Ornatus, sem muito tempo disponível, fez uma casita de palha, onde logo dispôs o espelho. Dispositio optou pela casa de madeira, ao rés do chão, comprida mas atamancada. E Elocutio, contrariando as expectativas, ergueu um casebre de cartão mais sólido que o dicionário da Academia. No dia seguinte, apareceu por ali um lobo. Não sei se já disse que os três irmãos eram porquinhos… O lobo penetrou a casa de Ornatus e comeu-lhe as flores todas; passou uma tarde menos mal com Dispositio; e enfastiou-se com a conversa de Elocutio. Dos três, no entanto, logrou obter a morada do pai, foi lá e comeu o pequeno Inventio. Quim Tliano nunca perdoou aos filhos.
*De Caderninhos de Retórica do Groucho, fl. 17b
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