Deveras inaceitável
- Mas que trombas, Groucho!
- Pudera, senhor! Pudera!
- Estou a ver que assinou um contrato de exclusividade com o mais-que-perfeito…
- Francamente, senhor, essas piadas de algibeira de gramático pseudo-intelectual!...
- Carago, Groucho! Pseudo-intelectual, vá lá! Afinal, é o que Alberto João chama aos jornalistas do continente, quando não se lembra de lhes chamar (ou melhor: de não lhes chamar) outras coisas… Mas «gramático pseudo-intelectual» é uma estreia. Muitos parabéns!
- O Sr. Silvestre brinca com coisas sérias. Muito sérias, mesmo.
- Refere-se ao mais-que-perfeito?
- Não, senhor! Refiro-me aos meus direitos laborais. Nada menos que isso!
- Agora é que não percebo mesmo.
- Fácil, senhor, muito fácil mesmo, sobretudo para um gramático…
- …pseudo-intelectual…
- …isso mesmo, senhor. Mas eu explico, da forma chã ao alcance dos mortais. Então o Sr. Baptista acaba de me dizer que ao fim de doze dias estou «dispensado» (eufemismo neoliberal para «posto na rua»), e agora o senhor vem-me dizer que afinal me querem de volta? Isto no espaço de 4 horas? Mas eu sou um sujeito emancipado e portador de direitos ou uma reificação deste clube? Inadmissível, senhor, inadmissível!
- Desculpe lá, meu caro sujeito emancipado, mas não é caso para tanta indignação. A vida é assim, feita de contingências. Não podíamos prever que um dos mais fecundos espíritos da nação nos fosse pessoalmente pedir que mantivéssemos o clube aberto – e que mantivéssemos sobretudo o Groucho! Pois ele foi muito enfático nisso: ao que consta, as tribos da blogosfera anseiam e urram por si! E depois, se bem percebi, o Groucho tinha-se afeiçoado a estas práticas mais ou menos loquazes, pelo que a notícia da sua não-dispensa o devia alegrar.
- E alegraria, sim senhor, se entretanto, traumatizado pela notícia da minha «dispensa», eu não tivesse tomado medidas em relação à minha vida nos tempos mais imediatos.
- Mas… Mas que desgraça irremediável fez você? Vai-se mudar para a Assembleia da República, infeliz?
- Não brinque comigo. O senhor sabe muito bem que os bons contratos que tive em vista antes de aceitar o deste clube, se foram irremediavelmente. E, quanto à Assembleia, em tempos de maioria absoluta é de um tédio insuportável. Bem me lembro de quando lá trabalhei durante o cavaquismo: só se discutia futebol e a um nível absolutamente desprovido de qualquer estimulação intelectual. Só que, dispensado por dispensado, ou semidispensado, ou dispensado temporariamente, enfim, fosse o que fosse, decidi meter um atestado médico por uns dias…
- O Sr. Groucho está a gozar connosco! Só pode…
- Um primo meu que é médico por Coimbra (não há médicos como os de lá, bem sabe) veio-me aqui há pouco entregar o atestado e já o deixei na secretaria. A partir da meia-noite, estou oficialmente doente (ou seja, já estou há um bocado…). E como é doença de ossos, parto por uns dias para S. Pedro do Sul, a banhos. Poderão contactar-me no Grande Hotel das termas.
- Seu grandecíssimo…
- Direitos conquistados por gerações e gerações de trabalhadores em luta, senhor…
- Vá mas é… Mas, com franqueza, poderão dizer-me que mal fiz eu para ter de estar aqui a aturar um Groucho qualquer a f…-me o juízo?
- Vá lá que não me manda ver se a minha avó está a arder, como o Sr. Baptista.
- Pois não, sou menos sádico. Ou mais mole, em matéria de relações laborais. Mas olhe, Groucho, já agora, e antes de se ir embora, vá ali perguntar ao Sr. Baptista se «f…-me o juízo» é metáfora, metonímia ou antropomorfismo…
- É pra já, senhor, é pra já. E até daqui a quinze dias. Quer alguma coisa de S. Pedro? Doçaria, souvenirs? É só pedir…
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