31 agosto 2005

Menino

— Graças a Deus, ainda bem que o apanho aqui…
— Por pouco tempo, estou de saída. Aconteceu alguma coisa?
— Mais ou menos, mais ou menos. Mas diga-me, o que há de errado em tratar a… menina Clara Antunes por… menina… menina Clara, quero dizer?
— Acho que nada, porquê? É formal, modalidade entre o respeitosa e o carinhosa, pode ser familiar, até tradicional… se bem que equívoca em certos contextos. Mas neste, dita por si… não, não vejo problema. Não me diga que ela não gosta…
— Bom, ela, a bem dizer, nunca me disse nada, nem que sim nem que não… tem havido outros, é mais os cavalheiros. Ainda há pouco o Sr. Rubim telefonou só para se meter comigo: e desatou a tratar-me por menino Groucho…
— Boa piada, essa, acho que vou seguir o exemplo dele. Menino Groucho: é bom, muito bom mesmo.
— Mas eu recuso, repudio, rejeito, não tolero…
— Ora, Groucho, deixe-se disso, não adianta. As formas de tratamento são formas de poder, ou melhor, quem tem o poder decide a forma de tratamento. Fica menino Groucho. Está decidido.
— Mas o senhor agora é que manda?
— Que manda ou quem manda?
— Responda, por favor: alguém o fez chefe?
— Não, não sou chefe, não mando nada, claro que não — foi um delírio. Um delírio terrível. Desculpe-me, Groucho, foi lastimável, muito lastimável. Que coisa…