Clube Casmurro TV (Parte II)
GROUCHO: Eis-nos de volta. Queria dizer alguma coisa, Archie, suponho?
A. BUNKER: Ó Prof., desculpe lá mas vai ter mesmo de me explicar umas coisas!
P. de MAN: Ao seu dispor, Archie.
A. BUNKER: O Prof. está a dizer que eu sou um… um… Poeta? Só porque berrei à Edith, como faço todos os dias (se calhar não devia, mas…)? Olhe que eu sempre desconfiei de poetas… Sempre me pareceram ou desgrenhados ou comunas, e cá em casa não há disso!
P. de MAN: Bem…
A. BUNKER: …E a outra coisa é essa das «aberrações»! Cá em casa também não há maricas, Prof.! Nem o namorado da minha filha, esse canalizador polaco, chega a tanto, que eu nunca o admitiria.
P. de MAN: Quanto à primeira pergunta, eu não digo que o Archie é um poeta, não – é antes um tropo no mundo fenomenal… -, mas sim que a sua tirada nos faz ver a omnipresença da «literatura». Todos nós tropeçamos uma vez ou outra na linguagem, e sobretudo naqueles usos dela que nos podem fazer conquistar a consciência de que na linguagem muito pouco há de natural, e menos ainda de transparente. E isso é para mim «literatura».
A. BUNKER: Percebo: sou um tropo fenomenal (um fenómeno, quer o Prof. dizer no seu idioma arrevezado) porque tropeço na linguagem… Ou nos atacadores? Os tropos tropeçam. Logo, os tropos são trôpegos.
P. de MAN: Não, não. Trôpegos somos nós, não os tropos. A linguagem não sofre de estados de alma. A alma é uma miséria só nossa. Mas avançando. Quando falo em «aberrações» referenciais a palavra não tem qualquer tipo de conotação moral. Tem apenas a ver com coisas como estarmos aqui à conversa consigo, Archie.
A. BUNKER: E porquê, ainda que mal pergunte?
P. de MAN: Ora, porque você, mais os seus atacadores e os berros à sua mulher, é demasiado bom para ser verdade…
A. BUNKER: Sempre a dar graxa, Prof. Mas caramba, olhe que nem a Edith alguma vez me disse uma coisa tão elogiosa…
GROUCHO: Bom, terminamos aqui este nosso primeiro programa, que serviu essencialmente para apresentar aos nossos espectadores a dupla de comentadores residentes que nos acompanhará no futuro. Sim, porque essa é a grande revelação que aqui deixo: Archie Bunker e Paul de Man acompanhar-me-ão, enquanto comentadores, nas entrevistas que iremos fazendo a personagens do mundo cultural, e não apenas. Despedimo-nos, pois, marcando encontro no próximo programa, em que entrevistaremos o escritor Manuel António Pina. Antes disso, porém, e muitíssimo brevemente, as sugestões culturais de cada um dos comentadores. Archie…
A. BUNKER: Eu sugiro o livro de Miguel Tamen, Artigos Portugueses. É profundo, duro mesmo, aqui e ali, mas o sacana do gajo tem muita piada, às vezes. Só que é um humor que nem todos percebem… É preciso um sentido de humor como o do Prof. Ou como o meu, bem entendido
GROUCHO: Professor?
P. de MAN: A recente edição das Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, no Curso Breve de Literatura Brasileira. Para se perceber que, na linguagem, os mortos também falam. Projecto aliás difícil, senão mesmo impossível, é calá-los.
GROUCHO: E assim nos despedimos. Muito boa noite e até para a semana.
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