09 julho 2005

O herdeiro de Flaubert

Genuinamente interessado:
— Quem é aquele senhor que ali está à sua espera?
— Um amigo meu, vem cá almoçar comigo. Porquê?
— Por acaso não é o director do Expresso? Parece mesmo ele…
— Não, Groucho, que ideia! Nem lhe diga isso, que ele estrebucha e ainda lhe bate.
— Mais um mal-disposto? Que coio de lacraus isto me saiu.
— É, um autêntico valhacouto… não seja injusto, esse meu amigo é muito cordato, apenas não gosta do Expresso. Só isso.
— Pois é pena, porque se fosse ele, aproveitava para lhe pedir que me autografasse o romance que acabou de publicar. Deve ser muito bom. Não sei se já viu que o próprio Expresso, que tinha todas as razões para não gostar dele, lhe elogia hoje o livro. A jornalista diz…
— Não é jornalista, é crítica literária e professora universitária, aliás…
— Não ligo a essas distinções miúdas; se escreve no jornal é jornalista, e pronto. Mas diz ela na resenha que o livro do director tem uma boa personagem feminina, o que é muito difícil desde que Flaubert proclamou que Madame de Bovary, c’est moi!
—Ainda um dia havemos de falar sobre essa frase, tão estropiada pela fama. Mas olhe, eu li agora mesmo a resenha, e devo dizer que não acredito.
— O senhor leu o livro?
— Não, credo! Mas se o homem tivesse esse dom de inventar personagens, já teria criado um blogue com várias personalidades fictícias de críticos literários a elogiarem-lhe os livros todos os dias, sob diferentes ângulos e sublinhando variados matizes. Até escusava de lhes pagar, e seria deontologicamente inatacável.
— Estou a ver. E estou a ver também o Expresso a publicar uma grande reportagem sobre blogues, e esse a figurar em caixa, o melhor e único blogue de crítica literária, uma lição para os parvos dos snobes que acham que o romance não é para todos, etc.
— Nem mais, Groucho. Ainda há esperança para si: qualquer dia, fazemo-lo referência central do coio, ou casmurro honorário.