25 junho 2005

Função poética revisitada

- Há versos bonitos e memoráveis mas (o Quintais que me desculpe) há frases bem mais memoráveis, e marcantes, do que versos.
- Refere-se a quê, Rubim? «Ich bin ein Berliner»? «Pai, pai, porque me abandonaste»?
- Não, nem tanto. Ou melhor, pensava em coisas mais próximas do mundo dos versos, mas mais «frias», porque técnicas ou científicas, e contudo com um lugar cativo no nosso coração (esta do coração é homenagem ao tropo maior da poesia «crítica» do Joaquim Manuel Magalhães…). Frases que fazem mundo e nos arrastam para dentro dele.
- Não acompanho…
- Já vai perceber, Silvestre. E olhe que tem ainda a ver com a função poética. Vai ver que assim que eu disser a frase que tenho em mente vai ter uma iluminação profana…
- Venha ela, Rubim. Estou em pulgas.
- Não percebo como ainda não lhe ocorreu…
- O meu amigo está a fazer-me sentir obtuso, e a aproveitar para gozar com este seu amigo…
- Longe da minha intenção, como calcula. Mas eu tomava um chá…
- Não há, e o Rubim está farto de saber disso! Deixe-se de coisas e diga lá a frase, gaita!
- Está bem, está bem. Está pronto?
- Francamente…
- Aí vai: «A função poética projecta o princípio da equivalência do eixo da selecção sobre o eixo da combinação…».
- …
- O que há? Está a sentir-se mal? Quer um chá? Bolas, não há, já me esquecia de novo.
- …é a emoção, é a emoção. Não se faz, caraças, não se faz!
- Eu avisei.
- Pois, mas… Nunca nos habituamos ao fim do primeiro amor. Fica-nos sempre a má-consciência de que a culpa foi nossa, não soubemos estar à altura, etc. Há tantos anos, gaita, e agora passar por tudo isso de novo… Não se faz, caraças, não se faz.